Poema pra anas
O que é ver uma
filha inerte?
O que é um mãe
à procura das sandálias
da menina?
A pequena
esperando à porta,
desenxuta
e, no detalhe:
a mãozinha delicada
num trinco de metal.
O que é esse clarão
que eu quase também vejo
no meio da sala, da casa,
no meio do mundo,
da tempestade?
O que é um homem
que instala um para-raios
e não o aterra?
-O que é, senão,
a mão pesada
de Deus a dar lições?-
Ana que deita
pra sempre na frente
dos todos irmãos,
recém banhados.
Nem há coração
pra ouvir
tanta chuva.
O que é,
quando vem,
esse erro,
esse raio,
que não volta atrás?
Que atravessa,
num egoísmo
de destino,
o destino
de todos?
Nem sei,
nunca sabemos,
vejo que existe pelo seu
odor de enxofre
e porque dele resta
uma mãe
que em dia de tempestade
larga tudo,
senta num banquinho,
calça sandálias de borracha,
junta as pernas e
se encurva.
até
que
volte
o sol.
Ressaca
Depois do amor
inundar,
veio este
seco silêncio
onde fui encalhar.
Eu sequei,
de tanto escoar.
Seco o céu,
seca a cama,
seco o doar.
Convoco saliva,
parece que
não vai dar.
Como não sou
baleia,
nem o greenpeace
vai ajudar.
Ressecada
e sem som:
espero
a maré
mudar.
Ou será,
esta secura,
um recuo
de tsunami
que voltará
para nos
inundar?
Infiltrado
O amor é essa infiltração
no canto da sala.
O mofo preto pontilhando,
silencioso,
a branca aresta da parede.
O amor desaperfeiçoa
nossa pintura intacta.
Vai, aquoso, abrindo
caminhos inconcebíveis
no sólido,
na solidão.
Essa infiltração amorosa
num cantinho,
embolora a aparência,
amolece o que mascara
e pinta
uma amorável paisagem
na casa.
Isla Negra
As ondas do mar tramam
uma rede que nada pesca.
Tecem e
destecem,
Retecem,
tecem
a efêmera renda
que de alvura
tudo cobre,
nada segura.
Toda sobre,
por invisível mão
lançada.
Língua de rendada água,
que lambe o sal e não se salga
ou de Sísifo uma lembrança,
a agarrar o que eternamente lhe escapa?
Tessitura incessante, insone
que se faz e refaz,
toda uma, a mesma
sempre e nunca.
Envolve e não retém
o que pra
sempre vem
e
sempre vai.
Luciana Cañete
link para vídeo Pássaros Ruins:https://www.youtube.com/watch?v=mUDAyoAreWo
Nasci chorando no Moinhos de Vento e o vento me trouxe a Curitiba, onde vivo, escrevo amo e me reproduzo desde 1992. Me formei em Letras – Português/Espanhol pela UFR e sou especialista em tradução pela extinta Universidade Gama Filho. Tenho um livro publicado pela editora Multifoco – Meu Coraçao Bate e às vezes me Espanca (2009) e poemas publicados em sites, blogues de amigos, revista Idéias, jornal Relêvo. Mantenho (meio morto, meio vivo) um blogue de poesias e outras coisinhas – www.deusdobravel.blospot.com