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3 poemas de Caco Ishak

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em construção


a casa que não construí pra mim
era habitada por fantasmas
aquele velho clichê
mas os fantasmas que habitavam
a casa que não construí pra mim
não tinham correntes nem toalhas
encharcadas de lençóis dormidos
não pregavam os olhos pelas paredes
não traziam cabeças em bandejas
porcelanatos, velas, alho, vinho
vi um lenço — acho que vi
mas nada de retrato, espectros
bolor, visco, esparadrapos
pegada alguma, nada
sabia que um dos fantasmas
devia ser uma menininha
pois num quarto as bonecas
viviam espalhadas pelo soalho
já o outro fantasma, nem sei
não derrubava pratos, panelas
escutava-se apenas o pranto
dum ventre em decomposição
como se me bastasse
pois aquele cheiro
aquele velho cheiro
era o cheiro de casa
a casa que não construí pra mim
habitada por fantasmas que
todos sabemos bem
não existem

  
s/n


quando o poeta acordou
sua voz ainda estava lá






perros descarrilados


waleska não tem sobrancelhas e se masturba com a escova de dentes elétrica pela manhã antes de sair pro trabalho com um pedaço do cadáver que guarda embaixo de sua cama enfiado na bolsa e que no caminho deixará cair por acidente após se esbarrar no metrô

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 wallace se esconde por trás de seus cabelos e espeta sua glande com alfinetes todas as noites antes de dormir agarrado ao terrier que lhe lambe as bolas enquanto toma banho sentado no box com as fotos de sua ex-namorada que estará lhe aguardando ao encontrar

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waldete é adventista do sétimo dia e pede perdão a deus quando cai em tentação e se deixa levar pela conversa do irmão que lhe entrega pedras das mesmas que fumavam e que deverão ser repassadas pro senhor com um cachorro acinzentado depois que se indispuser

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walter nasceu com problemas neurológicos por conta de seus pais serem parentes e obriga o filho de seis anos da vizinha a lhe enfiar girinos recolhidos na vala rabo adentro onde guarda os trocados que lhe darão de esmola quando se pendurar nas pernas dos outros até se ter

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wilma cuida bem dos sovacos e se vangloria por trepar com um diferente a cada dia em que ainda vem lhe buscar o ex sem se preocupar com os bolores do corpo colecionados ao longo do mês e que decidirá serem dispensáveis ao se atracar tão logo aviste seu enamorado

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william é castrado e tem como único amigo seu cão que lhe encrava nas costas seus dentes empapuçados de instinto que há séculos faz com que carnívoros desconfiem de si e que o fará desaparecer num vagão com o pedaço dum fêmur na boca rumo à próxima estação

(poema originalmente publicado no livro “não precisa dizer eu também”, 2013, ed. 7letras)


Ilustrações: deviantART



Caco Ishaké jornalista e tradutor literário. Nasceu em 1981, na cidade de Goiânia, embora tenha sido criado em Belém. Teve textos publicados em sites e revistas literárias como Modo de Usar & Co., Poesia Sempre, Paralelos, Cronópios, Musa Rara, Ornitorrinco, Machado, Rosa, entre outros; e nos projetos Blooks: Letras na Rede, Ruído e Literatura, Orquestra Literária e Na Tábua. Pela editora carioca 7Letras, além de “Dos versos fandangos ou a má reputação de um estulto em polvorosa” (2006), publicou “Não precisa dizer eu também” (2013), cujos poemas estão sendo traduzidos para o inglês e o alemão. Em 2015, lançará seu primeiro romance, "Eu, Cowboy". Acompanhe o autor: www.ciaocretini.o

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