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Caravana - Carina Castro

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Saga


Sobrevivi até agora sem espelhos
finquei meus pés na areia
e ouvia as vozes que falavam devagar
           
seriam as vozes do silêncio?
ou as vozes da vaidade?

mas acredito que o silêncio me tentava mais
e eu tentava o silêncio

o sol se espelha em minhas retinas
e eu quase cego

silêncio da visão


____________________________________________

                                                          

Ruínas


Sobra a sobra concreta
daquelas almas, hoje de pedra
a erva daninha forrou os alicerces,
da raiz se eleva agora a mais primitiva
vontade da terra, lançando à tudo
as flores mais miúdas da terra.
sobre a mesa sacrificial cessara o pulso
só lá dentro pulsa um coração de pedra,
um grito seco, o sangue é seco.
a imensidão maciça pedregosa, é pedregulho.
pequenos ritos por entre passarinhos e seixos
todos foram embora, habita o nada e as formigas
tudo que for cima, será teto
e os deuses podem ver a devoção secreta do nada
que se dedica a soprar o pó mineral
das beiradas roídas do perene,
e com sua raiz de pedra, permanece,
mordendo o tempo com seus dentes de pedra





caravana


homens e mulheres
passaram pelo buraco da agulha

e a caravana percorreu os tempos
os solos
as línguas
os olhos

no infrutífero de sombras, quedamos plantados
esperando a queda dos frutos
o repouso dos corpos

esquecemos os pés

pelo túnel da garganta
perpassavam vozes velhas
memórias amornadas

arrefece-nos as pálpebras

os retalhos estão impecavelmente membrados
e as mãos já esperam por afagos e fuga do trabalho
mas de longe se vê que não se trata de apenas
um tecido

{o sol levou o calor consigo, e a noite
nos impõe cobertos}

e que importa se somos indistintos?
na beleza nos atemos



Passo comum


e tudo é tão mecânico
e tem em tudo tanto mistério
           
a pomba que se apoia sobre o pé embolado
um choque: e nada de novo (muda) em seu ciscar tranquilo
um par de tênis pendurado nos fios elétricos
os pés invisíveis pairam
e que presságio, que história traz?
           
os remédios não servem para os debeis por algo mais,
é mais fatídica a dormência que a dor
uma bala embalada pendula nos fios elétricos
o sabor do tempo conservado
e que lenda é ela, que tradição
uma menina diante da janela cibernética o mundo vê,
um velho cospe da varanda à rua, num hábito comum
de alívio
a senhora abençoa o neto na partida
num gesto comum do verbo na mística ancestral

e do outro lado da rua um sonho em forma de automóvel
cor de prata
no moço que vai não sei pra onde um pensamento vai
a mecânica e os pomos impalpáveis da ciência
           
quão alto voara aquele pipa?
carcaça de seres celestes
voando preso aos fios elétricos

a energia vai para os destinos impregnada do mistério
do comum das ruas

uma bola no campo rola
pelo asfalto desembola
e os muleques são irmãos
e são astros do faz de conta
televisivo das ruas

e como eu palmilhasse um chão comum
sigo com os olhos pensos sobre esta poesia
comum…
           

            Carina Castro

   


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