Sobre arder
Eu sei
Ousei flertar com claridades
Mas sou filha do breu
E agora me recolho
Barroca e contorcida
(Minhas frágeis asas de cera...)
E ela era um verão
Inteiro em minha cama
Ardendo
Não era
Não era vento:
Era ser forte
Era ser fraco
E, às vezes, sem rumo.
Não era chama:
Era um gosto na língua
Era umidade entre as pernas
Era angústia de amar.
Não era outono:
Era a superfície da pele
Alcatifada por rugas.
Não era um trilho de trem
Uma estação ferroviária
Um aeroporto
Nem mesmo o mar
Com um barco distante:
Era a vida que restava
Acorrentada à ausência.
Não era chuva:
Era tristeza pura.
E só.
No inverno
Teu perfume dói à maneira de violinos
Desejos de minha boca bêbada:
Sorver o vinho de teus lábios e língua
Tua umidade
Dançar demente em teu corpo etéreo
E, diluída, desmaiar sobre ti.
Jardinagem I
A cor roxa
Engole a clorofila
Coração-Magoado
É o nome de uma planta.
(O arbusto toca o chão,
é puro peso)
Folhas verdes também têm
hematomas.
A Dormideira se recolhe
À ameaça do meu toque.
(Ramos e ramos
carregados de pavor)
Folhas verdes também
gelam de medo.
Me deito
Sobre o sumo
Desses caules decepados.
Permanecerei aqui
Imóvel.
A música explosiva
Das Flores- de- Trombeta.
Profanação na teia
Tirar a roupa dela
enquanto vermelha lua arde.
Romper cascas, desfiar casulos.
Contrair-me em
aracnídeo inseto
Patas e pelos, perfurar
a pele profanada
E ela se contorce toda
presa em minha teia:
Era pétala amputada
Tornou-se flor inteira.
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