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6 POEMAS DE CRISTINA DESOUZA

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TATUAGEM


o silêncio
engole o que escrevo

e é esta falta
esta vaga
este manso desespero
de quem quer mais
do que nunca teve

e o vazio infinito
da lembrança
do que não houve

esta tristeza branca
que corta
a pele desnuda
e macia

desvisto-me

observo o Tempo
que escorrega lentamente
por entre meus dedos
e retenho somente
esta vontade
do beijo não dado:

teu batom
tatua minha alma…




ECOS


escondo-me
azul que sou
na noite sem luar
prata dos teus olhos
manhã por vir

farto-me de estrelas

entre meus seios
um músculo vermelho
fibrila
sol nascente
bem te vi

canto estradas

e tudo é eco
e tudo é nada
na vaga imensa
meus dedos estéreis
salpicados de mar

afogo-me no seco

vão do tempo
vida clara
transforma tudo
em fuga rara
enquanto te perco
aos poucos…

sufoco em milhas de ar




CARVALHO


a sala entulhada
abarrotada de ilusão
da pele que já não toco
dos olhos que já não vejo
da voz que já não ouço

e fica assim
este silêncio retumbante
e não se passa
um instante
em que eu não pense em ti

móveis dançam
no assoalho gasto
minhas pernas já não me acompanham
bailam um tango quebrado

solidão
se perdendo no infinito
e nem meu sussurro
nem meu grito
desfazem o silêncio em mim

chove lá fora
aqui dentro
tua falta vaza do meu peito
transpira pelos meus poros

e aos poucos me torno árvore
meus  pés, raízes
meus braços, galhos
e meu corpo vira tronco
me aterro a tua saudade
gigante como um carvalho




FOME


devoro-me
nos dias sem fim

escondo-me
encolho-me

das noites pálidas
de lua cheia

estrelas salpicadas de céu
ofuscadas
pela claridade branca

ensurdeço
inaudíveis sons
da madrugada à espreita

cego-me
olhos escuros
da alvorada à espera

adormeço
costela sobre músculo
ressonando
no vão da Terra




FARPA


descubro-me
num verbo aberto
na farpa do mundo

traço meu rastro
no deserto mudo

cactos vermelhos
sol rude

cabelos misturados
à areia

mãos sujas

olhos suados
sal que escorre
dos poros
e das escleras

eterna espera
pelo que não vem

nunca vem

dias contados
rosto marcado
por rugas que não tenho

noite cadente
vida vertente

verdade
soslaio
e esta farpa
enterrando a esperança
na pele quente




SOTERRAMENTO


soterro a voz

aterro meu corpo
a um espírito
mudo

em tudo que escuto
só há silêncio

marcado
na ausência
na vaga

no luto
profundo
pelo morto
não morto

pela onda
não quebrada

por esta maré
vazante

onde me afogo
na terra
na areia
no nada



Foto: Ele Jin


*    *    *





Cristina DeSouzaé médica radicada nos Estados Unidos, é aprendiz de poeta. Também escreve contos e crônicas. Já teve textos publicados na Revista Macondo, em Vidráguas e no Projeto "Palavra-Porrada". Mantém o blog "mix-tura". Lançou pela Editora Vidráguas, “Uns Poucos Versos”, de 2011. Escreve também em inglês e foi aceita para fazer o "master of fine arts" em Poesia pelo Vermont College of Fine Arts, em Vermont, EUA (2014). Email.







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