TATUAGEM
o silêncio
engole o que escrevo
e é esta falta
esta vaga
este manso desespero
de quem quer mais
do que nunca teve
e o vazio infinito
da lembrança
do que não houve
esta tristeza branca
que corta
a pele desnuda
e macia
desvisto-me
observo o Tempo
que escorrega lentamente
por entre meus dedos
e retenho somente
esta vontade
do beijo não dado:
teu batom
tatua minha alma…
ECOS
escondo-me
azul que sou
na noite sem luar
prata dos teus olhos
manhã por vir
farto-me de estrelas
entre meus seios
um músculo vermelho
fibrila
sol nascente
bem te vi
canto estradas
e tudo é eco
e tudo é nada
na vaga imensa
meus dedos estéreis
salpicados de mar
afogo-me no seco
vão do tempo
vida clara
transforma tudo
em fuga rara
enquanto te perco
aos poucos…
sufoco em milhas de ar
CARVALHO
a sala entulhada
abarrotada de ilusão
da pele que já não toco
dos olhos que já não vejo
da voz que já não ouço
e fica assim
este silêncio retumbante
e não se passa
um instante
em que eu não pense em ti
móveis dançam
no assoalho gasto
minhas pernas já não me acompanham
bailam um tango quebrado
solidão
se perdendo no infinito
e nem meu sussurro
nem meu grito
desfazem o silêncio em mim
chove lá fora
aqui dentro
tua falta vaza do meu peito
transpira pelos meus poros
e aos poucos me torno árvore
meus pés, raízes
meus braços, galhos
e meu corpo vira tronco
me aterro a tua saudade
gigante como um carvalho
FOME
devoro-me
nos dias sem fim
escondo-me
encolho-me
das noites pálidas
de lua cheia
estrelas salpicadas de céu
ofuscadas
pela claridade branca
ensurdeço
inaudíveis sons
da madrugada à espreita
cego-me
olhos escuros
da alvorada à espera
adormeço
costela sobre músculo
ressonando
no vão da Terra
FARPA
descubro-me
num verbo aberto
na farpa do mundo
traço meu rastro
no deserto mudo
cactos vermelhos
sol rude
cabelos misturados
à areia
mãos sujas
olhos suados
sal que escorre
dos poros
e das escleras
eterna espera
pelo que não vem
nunca vem
dias contados
rosto marcado
por rugas que não tenho
noite cadente
vida vertente
verdade
soslaio
e esta farpa
enterrando a esperança
na pele quente
SOTERRAMENTO
soterro a voz
aterro meu corpo
a um espírito
mudo
em tudo que escuto
só há silêncio
marcado
na ausência
na vaga
no luto
profundo
pelo morto
não morto
pela onda
não quebrada
por esta maré
vazante
onde me afogo
na terra
na areia
no nada
Foto: Ele Jin
* * *
Cristina DeSouzaé médica radicada nos Estados Unidos, é aprendiz de poeta. Também escreve contos e crônicas. Já teve textos publicados na Revista Macondo, em Vidráguas e no Projeto "Palavra-Porrada". Mantém o blog "mix-tura". Lançou pela Editora Vidráguas, “Uns Poucos Versos”, de 2011. Escreve também em inglês e foi aceita para fazer o "master of fine arts" em Poesia pelo Vermont College of Fine Arts, em Vermont, EUA (2014). Email.