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5 poemas de Enrique Carretero

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 Ilustração: Don Paulson



estranho a mim mesmo

quero reflexos
                        janelas

para olhar
- furtivo –
intimidades alheias

para olhar pedaços de mim
                                               a esmo



sem ligação de retorno

luzes, cerveja, forró, samba e música dos anos oitenta

saliva, corpos, sexos duros

- é muito tarde -

bebemos muito e a roupa fede a cigarro
e nós moramos sozinhos e temos cachorros
e amanhã é domingo e começa o horário de verão
e o dia depois de amanhã é segunda e voltaremos a nossa rotina

talvez seja possível ficar em vertigem de trapezista
e cair como Altazor

à procura de estrelas fugazes nas gretas dos precipícios

- obrigado, Huidobro -

quiçá você possa cair fatalmente

mas eu conheço minhas quedas

e não as tuas



espera

como sustidas do céu por deuses
as nuvens pendem sobre a cidade

nuas

as árvores enfrentam o inverno

silente

aguardo que a noite invada

escondo o relógio na gaveta

espero o tempo passar



restos

acordo
ainda sem saber quem sou

o sol se derrama no quarto
minha cachorra me olha com ternura e abana o rabo

a manhã se tinge de suave bruma
meu companheiro finge continuar a dormir

restos da nossa pele ficam nos lençóis
e pelos da cachorra restam no chão

nos desmanchamos aos poucos
até o fim do dia
e da noite

e do dia
e da noite



a modernidade

é bem na hora em que as primeiras nuvens da tarde ficam refletidas nas janelas do prédio em frente e o vai-e-vem das portas de vidro mostram quem está saindo um pouco mais cedo do expediente

é bem nessa hora que a modernidade cospe no meio do rosto

quando as palavras dos outros se liquefazem e correm bueiro abaixo em direção a rios poluídos

e na solidão do transporte público volto à minha pequena residência para ver se consigo desfrutar o fingimento de um pouco de liberdade

e me encara uma futilidade de tempo desperdiçado em horas que não desejo e das quais não tenho como escapar

e então meu coração se une à revolta de pichadores e manifestantes

e minha desesperança a moradores de rua





Enrique Carretero nasceu em Santiago do Chile em 1971. Formou-se em administração de empresas em 1995, mas desde 1998 trabalha na área de ensino de idiomas. Em 16 de junho de 2001 chega a São Paulo, onde mora desde então. Em 2008 inicia o curso de Letras na Universidade de São Paulo, concluindo o bacharelado em Português/Grego em 2012. Escreve desde a adolescência. Travessias, editora Patuá, é o seu livro de estreia.

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