“Oh, but how can I sleep with your voice in my head.”
Pål Waaktaar
Algo habita as placas tectônicas. Algo falta fundamental. Algo cova que se move entre os ossos. Fragmenta medulas.
Teu nome poderia ser Licht, A. Disse-te isso em um sonho?
Meu carro atravessa Goiânia. Vou morrer. É uma questão de simples matemática. Vou morrer em uma esquina de Goiânia. Recebo a mensagem de meu amigo, “ela está aqui. Perguntou por você. Venha rápido.”
Estou em Wien, A. Vejo o teu rosto nos contornos das minhas mãos. Quebradas. Fecho os olhos e sinto o ar. Luft und Licht.
Teu nome poderia ser Luft, A.
Espero o trem em uma cidade horrorosa alemã. Há um chiqueiro no qual pode-se fumar. Imagino que toda a Alemanha deveria ser colocada dentro deste chiqueiro. Imagino uma bomba imensa que destrua toda a Alemanha. Imagino uma bomba imensa que destrua toda a Europa. Que destrua todo o mundo. Que destrua o universo. Que destrua meu corpo. Principalmente meu corpo. Apenas. Meu corpo.
Não sinto mais, A. Dirijo apenas.
Estaciono meu carro. Meu amigo acena de longe, “César, cretino, por que demorou tanto? A médica está louca por você”.
Ela me abraça, olha minha falta de olhos e diz “achei que você não viesse”. Beija minha boca. Arrasta-me pelos corredores de uma casa imensa. Sinto o peso das minhas pernas. O peso dos tapetes. Dos quadros. Dos móveis e do vinho.
Sinto o peso do Valium.
Meu baço dói. Meu baço sempre dói quando escuto música. Quando escuto Luan/Lucas Sant(t)ana. Não sei bem. Ou Marcelo Camelo. Jeneci. Criolo. Tulipa Ruiz. Ela olha e diz “qual o seu problema?”. Eu respondo que prefiro um spring drum a tudo isso. Que escutei uma peça de quase meia hora para spring drum em Darmstadt e que isso mudou minha vida. Que música é algo que ela nunca ouviu falar em toda sua vida. Que música é algo para os bêbados e os viciados e os leprosos. Que música não pode habitar o lugar dos bem nascidos. O lugar dos consultórios. Que médicos não têm ouvidos. Que música não existe no Brasil da felicidade. Que música não existe na Alemanha dos fornos. Que música é algo que habita apenas os sonhos dos que sofrem.
Ela me diz para ir embora. Que não quer me ver mais nunca. Que sou um idiota.
Acostumo-me de maneira dura ao silêncio, A. O silêncio é quando a tua voz cessa de falar.
As coisas são sempre as mesmas. Entro no carro. Há outra mensagem. Há sempre outra mensagem. Há sempre a possibilidade de ser chamado de idiota por uma bela mulher. Há sempre a possibilidade de horrorizar uma mesa de médicos bem nascidos. Há sempre a possibilidade de horrorizar uma mesa de crianças de esquerda que estudaram em Barcelona. Há sempre a possibilidade de ser linchado por um bando de goianos toscos assassinos.
Tenho medo, A. Tenho medo de não estar morto na próxima esquina. Quero apenas um abraço teu. Posso morrer em um abraço teu.
Teu abraço Luz. Ar.
*trecho de “Homem trancado em quarto de hotel”